A sociedade brasileira, marcada por sua pluralidade cultural, étnica e social, encontra na escola um espaço essencial para a promoção da inclusão e do respeito às diferenças. No entanto, práticas discriminatórias, invisibilização de identidades e desigualdades históricas ainda persistem no ambiente educacional, dificultando a construção de uma sociedade mais justa.

Nesse contexto, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) propõe diretrizes fundamentais para a valorização da diversidade de gênero, etnicidades, regionalidades e culturas tradicionais, visando assegurar uma educação democrática e equitativa.
Em primeiro lugar, é importante destacar que a BNCC reconhece explicitamente a necessidade de combater estereótipos e preconceitos relacionados ao gênero e à identidade sexual no ambiente escolar. Ao afirmar que os currículos devem promover “o respeito à diversidade de gênero, orientação sexual e identidade de gênero” (BRASIL, 2017, p. 14), o documento estabelece um compromisso com a construção de ambientes educativos seguros, acolhedores e inclusivos para todas as pessoas, independentemente de sua identidade. No entanto, observa-se que muitas escolas ainda carecem de ações concretas para efetivar esse princípio, permitindo que discriminações e violências simbólicas persistam no cotidiano escolar.
O documento enfatiza também que os currículos devem acolher e promover a diversidade cultural brasileira em todas as suas formas, com destaque para as populações historicamente marginalizadas. Assim, afirma que:
É essencial reconhecer e valorizar os saberes e práticas das diferentes culturas que compõem a sociedade brasileira, como as culturas dos povos indígenas, dos povos afro-brasileiros, dos povos ciganos, das populações migrantes e refugiadas, (…) (BRASIL, 2017, p. 14).
Ao tratar da diversidade de gênero, por exemplo, a BNCC propõe um ensino que combata estereótipos e preconceitos, criando condições para que todos os estudantes desenvolvam sua identidade de forma livre e respeitosa. O combate à discriminação de gênero, bem como as demais temáticas que envolvam as supostas minorias, é imprescindível para assegurar ambientes educativos seguros e acolhedores, especialmente para meninas, mulheres, pessoas trans e não binárias.
Outro aspecto relevante diz respeito ao reconhecimento das etnicidades e culturas afro-brasileiras, indígenas e ciganas. A BNCC, alinhada às Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, enfatiza a importância de incluir nos currículos a história e cultura desses povos, superando uma narrativa eurocêntrica e promovendo práticas pedagógicas antirracistas. Segundo Silva:
O reconhecimento das contribuições dos povos indígenas e afrodescendentes na formação social, política e cultural do Brasil é fundamental para desconstruir a hegemonia de uma narrativa eurocêntrica e construir práticas pedagógicas antirracistas, que promovam equidade e respeito às diferenças (Silva, 2019, p. 89).
Todavia, ainda é necessário investir em formação docente e produção de materiais didáticos que valorizem essas culturas de forma crítica e não estereotipada.
Além disso, a BNCC ressalta a importância de considerar as especificidades regionais, bem como de acolher as populações migrantes e refugiadas, promovendo a interculturalidade crítica. Sobre essa temática Candau afirma que:
A interculturalidade crítica propõe um diálogo genuíno entre diferentes culturas, questionando relações de poder, discriminações e desigualdades históricas. No contexto dos processos migratórios e do refúgio, essa perspectiva é indispensável para assegurar uma educação que valorize as experiências dos migrantes, sem apagá-las ou subordiná-las (Candau, 2016, p. 74).
Contudo, muitas escolas enfrentam desafios em adaptar suas práticas pedagógicas para atender às necessidades linguísticas e culturais desses estudantes, resultando em processos de exclusão e marginalização.
Outro aspecto relevante são as culturas dos povos ciganos, muitas vezes invisibilizadas nas práticas escolares. A BNCC recomenda que as escolas também promovam o reconhecimento e valorização da cultura cigana, respeitando seus modos de vida, saberes e contribuições para a sociedade brasileira.
Desse modo, embora sofra severas críticas de determinados grupos de pedagogos e pedagogistas, a BNCC sustenta um compromisso ético e político com uma educação inclusiva e plural, comprometida com a superação das desigualdades e discriminações. Entretanto, para que esses princípios sejam efetivamente implementados, é imprescindível que haja investimento na formação docente contínua, sensível às questões de gênero, raça, etnia, religião, cultura e classe, para construir um currículo vivo, crítico e transformador.
Logo, reforça-se a ideia de que a escola, indistintamente da sua condição: pública, privada, conficional etc, devará ser um espaço onde as diferenças não sejam vistas como obstáculos, mas como riquezas formadoras da identidade coletiva. Como afirma Paulo Freire: “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo” (Freire, 1996, p. 79), reformando a máxima de que a comunhão entre as diversas identidades e culturas deve ser celebrada na escola, para que todos e todas possam aprender, ensinar e conviver em respeito, justiça e equidade.
Distinga-se, neste ato equidade de igualdade como sendo:
(…) um princípio que busca garantir a igualdade de oportunidades e tratamento justo para todos os indivíduos, independentemente de suas características pessoais, como gênero, raça, religião ou origem social.
Diferente da igualdade, que trata todos de forma idêntica, a equidade reconhece que as pessoas têm necessidades e circunstâncias diferentes e, portanto, precisam de tratamento diferenciado para alcançar a justiça (Só Escola, 2023, sp).
Nessa direção, destacamos ainda, a contribuição de Maria Teresa Mantoan, que defende uma educação inclusiva como prática pedagógica que reconheça e valorize as diferenças. Para essa pesquisadora:
(…) a inclusão não é apenas uma proposta de inserção de alunos com deficiência, mas sim uma nova forma de conceber a escola para todos, reconhecendo que todos têm direito a aprender e a participar, independentemente de suas condições pessoais e sociais (Mantoan, 2006, p. 47).
Essa perspectiva amplia a compreensão da inclusão socioeducacional como um compromisso ético e político da escola, rompendo com modelos segregadores.
Complementando esse pensamento, Romeu Kazumi Sassaki ressalta que a inclusão vai além da presença física de indivíduos nos espaços sociais; ela implica garantir participação plena e equiparação de oportunidades. Segundo o autor, “a inclusão é um processo contínuo que visa à transformação de sistemas sociais e culturais para que sejam acessíveis e equitativos para todos” (Sassaki, 2003, p. 42). Essa visão converge com os princípios da BNCC ao reforçar a necessidade de uma educação que respeite e acolha a diversidade em sua totalidade.
Diante do exposto, evidencia-se que a inclusão das diferenças e da diversidade no contexto educacional, conforme orienta a BNCC, é um imperativo ético e social para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e plural. A valorização das identidades de gênero, etnicidades, regionalidades, culturas dos povos originários, afro-brasileiros, ciganos, migrantes e refugiados constitui um caminho essencial para superação das práticas excludentes, promovendo uma educação emancipatória.
Proposta de Intervenção
Para materializar os princípios da BNCC e assegurar a inclusão das diferenças e da diversidade no ambiente escolar, propõem-se o planejamento de intervenções estruturadas, nas quais algumas práticas pedagógicas podem ser implementadas, a saber:
– Desenvolver rodas de conversa, debates e projetos que problematizem estereótipos de gênero presentes em livros didáticos, mídias e no cotidiano escolar. Incentivar leituras e produções literárias de autoras mulheres e pessoas LGBTQIAPN+, promovendo representatividade.
– Realizar oficinas, feiras culturais e trabalhos interdisciplinares sobre a história e a cultura afro-brasileira e indígena, valorizando suas línguas, culinárias, músicas, filosofias e cosmovisões. Estimular parcerias com mestres de saberes tradicionais, povos originários e quilombolas locais.
– Incentivar pesquisas e apresentações sobre o patrimônio cultural da região, valorizando festas populares, manifestações artísticas, culinária e modos de vida locais. Trabalhar a oralidade e a memória social por meio de entrevistas com pessoas idosas da comunidade.
– Promover projetos que contemplem as histórias de vida dos estudantes migrantes, com atividades bilíngues, acolhimento linguístico, valorização das línguas maternas e celebração das culturas de origem. Estimular a troca de experiências entre estudantes migrantes e brasileiros, promovendo empatia e respeito.
– Realizar atividades que discutam a história e os modos de vida dos povos ciganos, desconstruindo preconceitos. Incentivar produções artísticas e literárias sobre a cultura cigana, incluindo músicas, danças e narrativas orais.
– Garantir que as propostas acima estejam integradas aos planos de formação docente, com espaços para estudo sobre diversidade, inclusão, direitos humanos e práticas antidiscriminatórias, em consonância com os princípios da BNCC.
– Criar Núcleos de Diversidade e Direitos Humanos nas escolas, compostos por professores, estudantes e representantes da comunidade local, com o objetivo de planejar e acompanhar projetos e eventos que promovam o respeito às diferenças culturais, étnicas e sociais.
– Incluir, obrigatoriamente, no currículo escolar, conteúdos sobre culturas indígenas, afro-brasileiras, ciganas e de migrantes nos materiais didáticos, sob supervisão do Ministério da Educação, assegurando representatividade e valorização de saberes plurais.
– Formalizar parcerias com comunidades tradicionais (quilombolas, indígenas, ciganas), permitindo trocas de experiências, palestras e oficinas diretamente realizadas por representantes desses grupos, garantindo protagonismo e visibilidade.
– Criar campanhas educativas permanentes no ambiente escolar que envolvam todos os estudantes, promovendo o combate a estereótipos de gênero, racismo, xenofobia e preconceitos religiosos. Entre muitas outras iniciativas que envolvam aprendizagens signifativas aos educandos, educadores e demais agentes envolvidos com as iniciativas de ensinar e de aprender no interior da escola e para além dele.
Por fim, a efetivação dessas medidas contribuirá para consolidar uma educação comprometida com a inclusão, onde as diferenças são vistas como potência para o desenvolvimento de uma sociedade plural, justa e equitativa, bem como, e essa educação, por sua vez, contribuirá para a formação de cidadãos críticos, respeitosos e conscientes de seu papel na construção de uma sociedade plural e equitativa, consolidando os princípios democráticos e inclusivos preconizados pela BNCC e inúmeras outras diretrizes, parâmetros e legislações vigentes em nosso País.
Referências
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: Ministério da Educação, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br. Acesso em: 16 mar. 2025.
CANDAU, Vera Maria. Educação Intercultural e Direitos Humanos. Petrópolis: Vozes, 2016.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: o que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2006.
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 2003.
SILVA, Petronilha B. Gonçalves e. Educação das relações étnico-raciais: das diretrizes às práticas pedagógicas. São Paulo: Cortez, 2019.
SÓ ESCOLA. Equidade: O que é, significado. Publicado em 22 de setembro de 2023. Disponível em: https://www.soescola.com/glossario/equidade-o-que-e-significado#gsc.tab=0. Acesso em: 16 mar. 2025.
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José Flávio: Professor Adjunto da Universidade Federal de Rondônia-UNIR; Pós-Doutor em Psicologia-UFLO, Argentina; Pós-doutor em Ensino de Ciências e Humanidades-UFAM, Brasil; Pós-doutorando em Educação-UniLogos, EUA; Doutor em Estudos Literários-UNEMAT; Mestre em Letras-UNIMAR; Mestre em Estudos Literários-UNIR; Especialista em Educação Inclusiva-UNICID, Pedagogia Empresarial (FAIARA),Gestão Escolar Integrada: Administração, Inspeção, Orientação e Supervisão (FBMG), MBA em Gestão de Instituições Públicas (IFRO), Práticas Educativas (IFNMG), MBA em Liderança e Gestão Educacional (FH), Direito educacional (Famart) entre outras; Graduado em Letras-UFSC.