A literatura infantojuvenil, em sua essência, transcende o simples ato de ler ou de contar histórias, promovendo um encontro dialógico entre o leitor e a poética da vida. Essa última entendida como a capacidade de enxergar e experienciar a vida com sensibilidade, encantamento e profundidade. Trata-se de uma perspectiva que valoriza as nuances, as emoções, as relações humanas e os detalhes do cotidiano, transformando as experiências vividas em algo significativo e repleto de beleza. É um conceito que transcende o campo literário e artístico, inserindo-se em qualquer dimensão holística que transcende a existência humana, sendo percebida como algo mais do que o funcional ou pragmático.
Nesse sentido, a manifestação literária, historicamente subestimada em certos contextos acadêmicos, emerge como espaço privilegiado para o desenvolvimento do imaginário, da construção da subjetividade e do fortalecimento do pensamento crítico e criativo desde as primeiras etapas da vida. Como sugere Colomer (2007, p. 19), “os livros são pontes que conectam as crianças com múltiplos mundos, reais e imaginários, ao mesmo tempo, em que oferecem o alicerce para a descoberta de si e do outro.” Tal afirmação corrobora com a importância de considerar essa literatura não apenas um instrumento pedagógico, mas uma forma estética singular, carregada de intencionalidades culturais e sociais.
Aliando-se as perspectivas da poética da vida com os preceitos da literatura – em fusão elementar: sensibilidade e encantamento, narrativa das experiências, relação com o outro e com o mundo, apreciação do efêmero, criação e resiliência etc. -, reconhecemos que viver é mais do que sobreviver; é encontrar poesia nos gestos, nas palavras, nos encontros, nos desencontros e nos momentos que compõem a experiência humana. É transformar o ordinário em extraordinário e cultivar um olhar que percebe, nas complexidades e simplicidades da vida, sua dimensão estética e transcendental.
Diante desse contexto, ao tratar da relação entre linguagem e formação social do ato de ler, percebemos que a literatura infantojuvenil opera como uma chave simbólica que abre as portas para o reconhecimento das complexidades do mundo. Os textos desse gênero, ao entrelaçarem narrativa, imagética e estilística, promovem um encontro entre a experiência estética e o desenvolvimento de competências leitoras.
Nesse sentido, Larrosa (2017) nos lembra que “a leitura não é apenas um processo técnico ou cognitivo, mas um ato de abertura ao que é outro, ao que é diferente, ao que é novo.” O texto literário, assim, ressoa como convite à alteridade e ao diálogo intercultural, características fundamentais no processo de formação de sujeitos críticos e éticos.
A leitura, nesse cenário, assume um caráter profundamente social e político, ao mesmo tempo, em que é atravessada por dimensões subjetivas. A partir das obras literárias destinadas ao público infantojuvenil, constroem-se pontes entre a individualidade e a coletividade, possibilitando que a criança ou o jovem leitor desenvolvam tanto um olhar sensível para as questões humanas quanto uma atitude reflexiva perante as estruturas sociais que os cercam. Afinal, “A literatura humaniza na medida em que nos torna capazes de ver o outro como semelhante e de perceber a complexidade da existência humana.” (Candido, 1995, p 183).
Coadunando com acepção entre ludicidade, leitura, aprendizagem e desenvolvimento da criança, Zilberman e Cadermatori Magalhães (1987, p. 14) destaca que “a literatura infantojuvenil, ao mesmo tempo que diverte, ensina; ao mesmo tempo que encanta, forma; ao mesmo tempo que ficcionaliza, revela a vida em suas múltiplas faces.” Essa dialética confere ao texto literário um poder formativo que ultrapassa os limites do entretenimento.
As obras de literatura infantojuvenil frequentemente incorporam elementos da tradição oral e dialogam com a pluralidade cultural e as singularidades, valorizando expressões regionais, mitos, lendas e histórias que fazem parte do patrimônio simbólico de diferentes povos. Dessa forma, contribuem para a formação de leitores que não apenas reconhecem a diversidade, mas aprendem a respeitá-la e valorizá-la. Nesse processo, a linguagem literária desempenha um papel essencial ao aproximar o leitor de experiências que, muitas vezes, são distantes de sua realidade cotidiana. Como afirma Barthes (1987, p. 65), “a literatura é, antes de tudo, uma forma de deslocamento, uma viagem pela alteridade que transforma o olhar do sujeito sobre si mesmo e sobre o mundo.” E, a poética da vida, presente na literatura infantojuvenil, manifesta-se através da sensibilidade e do encantamento proporcionado pelo texto literário.
Assim, a capacidade de evocar imagens, provocar emoções e estimular a imaginação confere à literatura um poder único no processo de formação do leitor, uma vez que a literatura torna-se um espaço em que a linguagem transcende sua função referencial, assumindo um papel transformador. Lajolo e Zilberman (2007, p. 58) enfatiza que “o texto literário, sobretudo o infantojuvenil, é um espaço de liberdade em que o leitor pode experimentar múltiplas perspectivas, desafiar verdades absolutas e construir suas próprias interpretações do mundo.”
Por fim, ao refletir sobre o ato de ler na perspectiva da literatura infantojuvenil, torna-se evidente que esse é um processo que envolve não apenas a aquisição de habilidades técnicas, mas a formação de sujeitos integrais. Nesse sentido, a leitura não se limita ao âmbito individual, mas adquire uma dimensão comunitária e política, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. A literatura infantojuvenil, com sua riqueza simbólica e poética, desempenha um papel fundamental nesse percurso, constituindo-se como um território favorável para o florescimento de leitores conscientes e sensíveis às complexidades do mundo.
JOSÉ FLÁVIO DA PAZ é Professor Adjunto da Universidade Federal de Rondônia-UNIR; Pós-Doutor em Psicologia-UFLO, Argentina; Pós-doutorando em Ensino de Ciências e Humanidades-UFAM, Brasil; Pós-doutorando em Educação-UniLogos, EUA; Doutor em Estudos Literários-UNEMAT; Mestre em Letras-UNIMAR; Mestre em Estudos Literários-UNIR; Graduado em Letras-UFSC. Membro da Academia de Letras, Ciências e Artes da Amazônia Brasileira-ALCAAB; Academia Independente de Letras-AIL; Academia de Letras do Brasil-ALB; Academia de Letras de São Pedro da Aldeia-ALSPA; Paladinus Literary da Ordem Literária Scriptorium e Castelo João Capão. Doutor Honoris Causa em Literatura, pelo Centro Samathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos; Doutor Honoris Causa em Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural; e Doutor Honoris Causa em Direitos Sociais e Humanidades, ambos pelo Instituto Baronesa de Ensino e Desenvolvimento Humano; recebeu a Cruz do Mérito Acadêmico e Profissional na área de Literatura (2021), Cruz do Reconhecimento do Mérito da Educação (2022) e Cruz do Mérito da Amazônia (2022) todos pela Academia de Ciências e Artes da Câmara Brasileira de Cultura. Recebeu o Título Honorífico de Cidadão de Macapá da Câmara Municipal de Macapá.
Instagram @joseflaviodapaz
REFERÊNCIAS
BARTHES, Roland. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1987.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. – 4ª ed. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 1995. p. 171-190.
COLOMER, Teresa. Andar entre livros: a leitura literária na escola. São Paulo: Global, 2007.
LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: histórias e histórias. – 6ª ed. São Paulo: Ática, 2007.
LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. – 6ª ed. rev. amp. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.